Em silêncio e segredo

 

É certo eu não ser tão moço
para exprimir sentimento em palavras estudadas
e insinuar minha imagem nos teus sonhos.
É certo o esconder-me em silêncio
ante a força da tua presença
mas nada disso transforma o impacto da tua chegada
a causar comichões no meu peito
que parece minguar a cada encontro.

É certo eu sofrer devagar a cada amor
e o amor, quando novo, faz sofrer por omissão
(sendo antigo, faz sofrer até
por temores infundados).
Teus passos, chegantes macios, causam-me medo.
Não o medo dos vultos sombrios na madrugada
(aqueles que violentavam nossas portas
e levavam-nos para o incerto).
Não o medo do futuro, da maré alta ou do desemprego,
não o medo das armas ou das fardas, não o medo inocente
das assombrações nas cantigas de mães-pretas,
mas o medo inexplicável de saber-te voltada
pra outros olhos, outros sonhos, outros versos,
não estes que te faço
para que nunca leias.

É certo eu sofrer em silêncio e segredo
(eu, poeta e maduro, menor e inseguro).
E sofro inda mais
se me olhares fundo
como quem pergunta por que não me atrevo
a convidar-te para um chope.

(Luiz de Aquino. Canto de amar, 1986)

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